“Quando surge um sintoma, passou dos limites”, alerta psicóloga especialista em estresse no trabalho

Psicóloga fala sobre as causas do estresse no ambiente de trabalho, sobre a resistência dos empregadores em adequar as jornadas dos seus empregados, de que forma podemos identificar a hora de tratar nosso estresse, entre outros tópicos.

A psicóloga Ana Maria Rossi preside a International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR). Ela é uma das coordenadoras dos eventos da instituição em 2013. Os seminários ocorrerão entre os dias 18 e 20 de junho, no Centro de Eventos do Plaza São Rafael, em Porto Alegre. Neste ano, o tema será “Trabalho, Stress e Saúde: promovendo a saúde total do trabalhador – da teoria à ação”.

Ana Maria é doutora em Psicologia Clínica e Comunicação Verbal. Especializou-se em estresse e biofeedback na Florida State University e na Menninger Foundation (EUA). Recebeu o Prêmio Melhores Mulheres 2006, categoria Saúde e Nutrição, promovido pelo Jornal do Comércio . É licenciada pela Biofeedback Society of America, precursora das técnicas de autocontrole e biofeedback no Brasil.

Ao portal do Tribunal Regional do Trabalho – 4ª Região (TRT4), ela falou sobre as causas do estresse no ambiente de trabalho, sobre a resistência dos empregadores em adequar as jornadas dos seus empregados, de que forma podemos identificar a hora de tratar nosso estresse, entre outros tópicos. Confira:

Qual o conceito exato de estresse?

Ana Maria Rossi – Estresse nada mais é do que uma adaptação requerida à pessoa, independentemente de ser negativa ou positiva. Então o estresse não é necessariamente um vilão. As férias desejadas ou a compra de um bem são, possivelmente, exemplos de estresse positivo. Mas conflitos, doenças, demissões inesperadas, separações, são exemplos de estresse negativo. Então o estresse é positivo ou negativo conforme a reação daquela pessoa diante da situação. Falar em público, por exemplo, para algumas pessoas é uma situação devastadora, mas outras se sentem motivadas, energizadas pela oportunidade.

Mas os efeitos de um e de outro tipo de estresse são diferentes, correto?

Ana Maria Rossi – Não. As pessoas não se dão conta, mas o estresse negativo e o positivo geram as mesmas reações fisiológicas, inclusive levando à morte súbita! O nosso organismo não diferencia as situações. Como exemplos poderíamos citar aquele dirigente de clube de futebol num dia de campeonato em que o time precisa fazer um gol para vencer. Quando o time faz o gol ele infarta no estádio. É um exemplo real, já ocorreu.

Existe uma tendência de aumento do estresse nos ambientes de trabalho?

Ana Maria Rossi – Certamente. Isso porque há um grande abismo entre o que os estudos propõem e o que as empresas conseguem absorver e o que é permitido pela legislação. Por exemplo, já existem pesquisas científicas que dizem que o melhor para o trabalhador são períodos de férias mais curtos e mais frequentes ao longo do ano. A pessoa acumula estresse durante 11 meses e aí tem 30 dias em que é obrigada a relaxar. Muitas vezes só essa obrigação de descansar em um tempo limitado gera mais estresse que o trabalho. Mas na nossa legislação não são possíveis períodos menores que 15 dias. Então existem esses problemas: muitas vezes a empresa não assimila o conteúdo das pesquisas porque acha que isso não tem impacto na sua produtividade (e tem, porque há adoecimento por estresse) e também a legislação não contempla os resultados dos estudos.

Quais seriam as principais causas de estresse no trabalho?

Ana Maria Rossi – Em primeiro lugar, a grande simultaneidade de tarefas, o que gera longas jornadas de trabalho e mesmo assim a pessoa não tem tempo de executar todas as atividades. A maioria das pessoas está correndo contra o relógio, com a sensação de que sempre está devendo alguma coisa. Também a falta de reconhecimento: às vezes as pessoas tentam fazer aquilo que sabem e gostam, mas nunca se sentem gratificadas, não são reconhecidas. Então, perdem a motivação, perdem o entusiasmo pelo seu trabalho. E, ainda, o problema das relações interpessoais no ambiente de trabalho, que geram consequências na vida fora dele. Existem outras causas, é claro, mas estas seriam as principais.

Existem pesquisas que relacionam a duração da jornada com estresse?

Ana Maria Rossi – Sim, existem inúmeras. A jornada de trabalho tem limites, mas nós sabemos que muitas vezes esses limites não são respeitados no dia-a-dia das empresas. Os que às vezes conseguem ter uma jornada de trabalho de oito horas são os trabalhadores “braçais” (toca a campainha da empresa e todo mundo entra; toca a campainha, todo mundo sai), e os funcionários públicos, de maneira geral. Outros profissionais não conseguem. Executivos, profissionais da saúde (principalmente com a proliferação de planos de saúde), professores (que precisam ter vários empregos), os profissionais da segurança pública (que precisam fazer bicos como seguranças privados, muitas vezes de forma precária). Tem trabalhadores que cumprem jornadas de 13 ou 14 horas por dia.

Existe resistência por parte dos empregadores quanto a medidas de adequação das jornadas, como introdução de pausas para descanso ou mesmo redução da carga horária diária?

Ana Maria Rossi – Infelizmente aqui no Brasil e em diversos outros países do mundo existe a ideia de que quanto mais tempo o profissional ficar no trabalho mais dedicado ele é. Os empresários não se dão conta de que se não houver um equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, o trabalhador pode ficar 18 horas no trabalho, mas vai cometer mais erros, vai haver mais incidência de acidentes do trabalho, vai ficar muito mais cansado. Pode até produzir mais, mas com menos qualidade. Temos que tentar mudar a cabeça dos empresários nesse sentido.

A natureza do trabalho é relevante para o desenvolvimento do estresse? Ou trabalho “braçal” e “intelectual” estressam da mesma forma?

Ana Maria Rossi – Olha, não é que o trabalhador “braçal” seja menos ou mais estressado, mas ele tem uma certa vantagem. Pelo seu trabalho ser físico, ele consegue extravasar um pouco mais (em vez de dar uma marteladinha, dá uma martelada mais forte, por exemplo). Então quando a adrenalina e o cortisol, hormônios ligados ao estresse, sobem, ele tem como canalizar um pouco. Mas não se espera que um executivo saia chutando a sua mesa quando ficar estressado…

Como identificar o momento em que o nível de estresse requer tratamento?

Ana Maria Rossi – Infelizmente, na nossa sociedade ocidental, o sintoma e a doença são sinais de que o nível de estresse passou dos limites. Se a pessoa sempre dormiu bem e de repente passa a ter insônia, é um sinal de desequilíbrio; a pessoa tinha dores de cabeça três vezes por semana, agora tem cinco… Então o sintoma se modificou quanto à frequência, intensidade ou duração, sinal de que houve um agravamento da situação. Ou seja, o aparecimento de um sintoma ou a alteração de um sintoma já existente pode ser um sinal de que é hora de parar. Mas as pessoas normalmente não param: se têm dificuldade para dormir, tomam remédio; se o estômago fica ruim, tomam digestivos… E então o sintoma vira doença.

FONTE: Juliano Machado (Secom/TRT4)