De Márcio Chaer, diretor da revista eletrônica CONSULTOR JURÍDICO :
“Este talvez seja um dos últimos Anuários nesse formato.
Os novos ventos prometem nos levar para outros métodos, outras narrativas.
O país que não mudava nunca agora muda todo dia.
E o eixo da mudança do país está na Justiça. Qual justiça? É preciso aguardar os próximos capítulos.
Sob aplausos generalizados da nação, o símbolo dessas mudança tem o apelido esquisito de lava jato e tem apoio unânime quanto ao conteúdo, mas críticas quanto à forma. É o fim de uma era de impunidades e descaramento, certamente.
Mas há dúvidas.
Há quem ache que em breve não existirão mais inquéritos nem processos. Serão substituídos por “operações”, que não terão mais números. Só nomes. Talvez possa ser uma forma de humanizar o processo.
Um gaiato disse outro dia que deve ser abolido o Ministério Público. Agora teremos Forças Tarefas. Em vez de varas especializadas, forças tarefas especializadas em que policiais, promotores e juízes se revezarão nas funções.
E que livros de sociologia passarão a integrar o repertório autorizado e válido da doutrina e da jurisprudência.
E que os julgamentos serão pautados pela imprensa. Como no big brother, a população poderá participar do paredão, como com os antigos palmômetros, e decidirá as condenações — já que depois da eliminação do Habeas Corpus vamos abolir também essa coisa primitiva que é a absolvição.
É claro que isso não passa de brincadeira, mas há algo de sério nisso tudo.
Os senhores perceberam com que frequência se publicam notinhas ou notícias dando conta de que o MPF, perdão, a Força Tarefa, espreme esses delatores ávidos por uma barganha para apontar podres de juízes?
Uma pessoa maldosa pensaria que os órgãos de acusação tentam intimidar julgadores para que não estraguem suas apoteoses e seus shows de pirotecnia com habeas corpus ou, pior, anulando provas ilícitas ou acusações que não param em pé.
Não conheço ninguém no Judiciário favorável à impunidade e à corrupção. Mas, tempos estranhos, há gente defendendo o abuso de autoridade, a prova ilícita, uma coisa esquisita chamada “prova de integridade” e estrupícios para impedir concessão de habeas corpus.
A presunção de que todos são culpados até prova em contrário — e de que é melhor um inocente preso do que um bandido solto — satisfaz o ânimo do país neste momento de happening e catarse. Mas pode trazer problemas no futuro. Um deles é: “Onde colocaremos tanta gente?”
Só se tomarmos alguns imóveis emprestados para encarcerar tantos condenados. Talvez possam ser usados prédios ociosos, que não cumprem seu papel social, como escolas e hospitais públicos.
Um juiz amigo criticou-nos por perder tempo com discussões inúteis como, por exemplo, se a execução da pena deve ser depois da condenação na segunda instância.
Hoje, 45% da população carcerária é de presos provisórios. Ou seja. Sequer foram julgados na primeira instância
Outra “discussão inútil” é se deve ser aprovada ou não nova lei (ou novas medidas) contra Habeas Corpus, já que esse remédio constitucional perdeu a validade. Caiu em desuso. E se não há mais habeas corpus, não há o que restringir, concorda?
Esses críticos que reclamam de tudo — ou que estão mais preocupados em defender seus clientes encrencados, como definiu o ministro Luiz Roberto Barroso, fazem troça afirmando que o Supremo Tribunal de Curitiba vai assumir também o papel de Legislativo e aprovará as novas leis para proteger os brasileiros dos políticos e dos poderosos.
Vai cuidar também do governo federal, assim como fizeram os dois regimes que mais combateram a corrupção na história: o chinês, com sua revolução cultural; e o alemão do Partido Nacional Socialista.
O Brasil chegou um pouco atrasado nisso, mas chega lá.”