A Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) julgou inconstitucional o inciso III do artigo 1.729 do Código Civil, no qual há diferenciação entre casamento civil e união estável para fins de divisão de herança. Segundo o relator do voto – acatado à unanimidade –, desembargador Jeová Sardinha de Moraes, a Constituição Federal não prevê hierarquia entre as duas formações familiares e, portanto, não deve haver tratamento distinto e discriminatório na sucessão.
Segundo a normativa colocada em xeque, o cônjuge sobrevivente, se tiver convivido sem oficialização civil do matrimônio, concorre com parentes colaterais do falecido, como tios, irmãos e sobrinhos, na divisão da herança, tendo direito a apenas um terço dos bens. Caso o viúvo tenha sido casado oficialmente, a herança seria total, ocorrendo a preterição somente em caso de filhos ou pais.
O voto em questão foi dado, justamente, num embate judicial entre uma companheira de um casamento não registrado em cartório e os irmãos do marido falecido. De acordo com o colegiado, a mulher tem direito a totalidade da herança, já que o casal não teve filhos.
Dignidade e isonomia
No voto, o relator endossou que a Carta Magna dispõe sobre o reconhecimento da união estável como entidade familiar e impõe o dever do Estado em protegê-la e facilitar sua conversão em casamento. Por isso, o Código Civil, vai de encontro à Constituição, na opinião do desembargador. “Verifica-se a ocorrência de verdadeira teratologia jurídica, infringindo-se, de maneira grosseira, os postulados já alcançados pelo instituto familiar em exame, bem como afrontando-se diretamente os princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana”.
Antes da edição do Código Civil vigente, em 2002, duas leis disciplinavam o direito de sucessão nesses casos – nºs 8.971/94 e 9.278/96, que deferiam ao companheiro sobrevivente o mesmo status do cônjuge oficial, afastando os parentes colaterais da divisão da herança. Ao entrar em vigor o Codex, revogando as normativas anteriores, Moraes afirmou que “houve um retrocesso no campo hereditário, quiçá injustiça, no que se refere ao tratamento sucessório da união estável”.
Para endossar seu entendimento, o desembargador citou trechos de obras jurídicas que afirmam sobre a única diferença entre a união estável e o casamento é a formalidade, pois a base fática é a mesma. Entre as jurisprudências do tema, Moraes apresentou ementas de decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Sergipe. “Imagino que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se pronunciar a respeito do assunto” acredita Moraes.